Às vezes as coisas mudam

Uma das coisas boas em envelhecer é poder observar como as coisas tomam outras proporções. O que era crucial em uma época, é irrelevante em outra; um grande amigo se transforma num ilustre conhecido. Aquele desenho maravilhoso da infância/adolescência é apenas um bando de gritaria, luzes estroboscópicas, enredo confuso e bem mais ou menos. Além de ter sido um meio para vender brinquedos. A comida favorita muda, o estilo musical muda, a cor favorita muda, o estilo de pilares da era antiga muda, uma planta começando a germinar é uma muda.
Com essas mudanças, a forma de enxergar a vida também se transforma. A minha mini versão achava que um dia durava muito. Um ano era uma eternidade. Tudo duraria para sempre. Durante um tempo o capitalismo a maturidade me fez perceber o tempo como algo muito veloz, relações interpessoais fugazes e tudo muito efêmero. Hoje no auge dos meus quarenta e tantos, consigo imaginar que já sinto os dias passando em tempo real e adequado, mas torço para voltar ao estado de senhor do tempo e fazê-lo perene.
Essas constantes oscilações me deram outra perspectiva sobre uma coisa que muita gente tem pavor de imaginar. A perda. A morte. A finitude de tudo. Que fique claro que não tenho pressa nenhuma em adentrar no descanso eterno (a não ser que levem a sério o universo de Robocop), porém o ocaso da vida só assusta quando é repentino. Surpresa só é legal quando você acha cinquenta contos no chão.
Internalizar que o nosso fim, e o dos outros, não é algo que a gente controle, me fez entrelaçar meus dedos na nuca e aproveitar essa viagem louca que é viver no sul global durante uma crise climática. O destino é a derrota, mas não sem luta! Me recuso ficar num canto de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar. Amarei como nunca, viverei cada vez mais, mesmo que não intensamente como o nosso senso comum nos impele. Aproveitar cada vez mais o tempo com amigos, família, amar. Amar muito.
Durante muito tempo eu concordei com as pessoas que ao passar por um processo de perda, decretam que nunca mais farão algo que possa proporcionar outra. Essa semana passada perdemos nosso amigo Billy. O cão mais doce que já conheci. Tão grande quanto ele, era enorme a sua tranquilidade, o protetor da matilha. Lindo (até porque desconheço um cachorro feio) e companheiro. Sua perda, para mim que tive o privilégio de conviver com ele por pouco mais de dois anos, foi enorme e dolorosa. Para a minha família que o adotou filhotinho, foi muito dolorido.
Recebemos uma carta da clínica, assinada por toda a equipe, que foi muito atenciosa, li uma coisa que acabou de vez com a minha resistência em pensar em adotar um novo amigo num futuro. Não é porque sofremos com a perda de um ente querido que iremos privar outra criatura de ser amada, ter um lugar seguro para viver e ser mimada. Nós demos muito amor para ele. Fizemos o suficiente? Nunca. Mas fizemos o nosso melhor dentro das nossas capacidades.
Ainda dói, mas um dia as coisas ficam menos difíceis e pensar em você, meu urso, só me trará lágrimas de saudade.