Blablaísmo

Blá blá de qualidade

Archives

O desejo e a boca

O desejo humano é um dos vários assuntos que muitas pessoas se dispuseram a estudar ao longo dos séculos e não estamos nem perto de compreender.

Num primeiro momento precisamos pelo menos diferenciar desejo de necessidade biológica. A fome é uma necessidade inerente ao correto funcionamento do corpo. Já aquela fome de comer aquele hamburgão suculento de 3 carnes com queijo pingando e bacon transbordando o bom senso é um desejo. No meu caso é recorrente.

Um dos teóricos que se meteu a besta de tentar observar, estudar e definir, segundo seus apontamentos, o desejo dos humanos foi René Girard. A seguir eu tentarei explicar de forma bem resumida e simples a dinâmica de um dos pilares da Teoria Mimética.

Segundo sua teoria do Desejo Mimético, o nosso desejo não é autônomo, dessa forma ele deve ser submetido, autorizado e/ou corroborado por outrem. Inicialmente ele concebeu essa teoria com o nome de Desejo Triangular, já que a dinâmica desse desejo se dá no que pode ser representado por um triângulo composto de Sujeito (aquele que deseja), Modelo (aquele que é considerado o ideal a ser ou não batido) e Objeto (que é o objetivo ou até mesmo o próprio Modelo). Dependendo da proximidade entre sujeito e objeto ocorrem dois tipos de interação entre eles. Quando a distância entre eles é grande, sem chance de conflitos, há uma mediação externa. Já quando habitam o mesmo extrato social ou são próximos, a mediação interna, por vezes violenta, acontece.

Girard desenvolveu sua teoria ao longo dos anos se baseando em grandes clássicos da literatura universal tais como Cervantes, Shakespeare, Dostoiévski entre outros. Para enterdermos isso na prática não precisamos ir tão longe. Tomo como exemplo um dos baluartes da música popular brasileira dos românticos anos 90: BokaLoka.

Que situação

Logo que cheguei, parei e vi você
Que desilusão pro meu coração
– Aqui vemos definido o Objeto.
Não me acostumei com a idéia* de dividir você
Não é fácil, não…
– Reforça a ideia de que é difícil ocorrer uma mediação externa.
Que situação
– O Sujeito, apesar de aparentemente de boas com a situação, mantém-se firme em seu desejo.

Porque vocês estavam logo ali
Não vê que de vocês quero fugir
– Ele tenta evitar a mediação
Podia ao menos ter me avisado
Que ia curtir a noite com seu namorado
– O Modelo tem a primazia sobre o Objeto.

Vai dando um jeito pra gente ficar
O tempo que nos resta nesta festa
– O Sujeito apela para o emocional do Objeto.
Bate nele, xinga ele, manda ele embora
– Ele instiga a mediação interna por parte do Objeto, porém não foi suficientemente determinado para ele mesmo tentar resolver.
Eu sei que sou desejo seu, você também é desejo meu
– Sujeito claramente prepotente como só um homem hétero top poderia ser, declara que seu desejo metafísico é de conhecimento geral.
Larga ele agora
– Lança a braba por meio de um ultimato mais elaborado do que o da Marvel.

Na grande maioria das dinâmicas de desejo podemos observar e comprovar as teorias de Girard não importando a mídia. Com isso podemos afirmar a qualidade do cancioneiro brasileiro.

Larga ele agora.

*Após o acordo ortográfico de 1990, ideia já não possui mais acento.