Pra não dizer que não falei das flores do mal
Eu tinha prometido a mim mesmo não escrever sobre política. Também havia prometido escrever com maior frequência aqui. Como percebemos não tenho sido bem sucedido nas minhas promessas, mas a segunda pretendo melhorar.
Estas eleições têm sido mais acaloradas nos debates via redes sociais e muito preocupante pela crescente onda de, por falta de palavra melhor ou pior, fascismo que tomou conta de uma parcela da população.
Este pleito tem demonstrado como as paixões tomaram conta do brasileiro. Aquele sentimento monoesportista que o futebol nos proporcionou ao longo de quase dois séculos e meio tem dado cada vez mais as caras e formado o debate, ou a falta dele, nas discussões sobre política. Defendemos com unhas e dentes nossos sacrossantos barões eleitorais e apresentamos o mais refinado berro ao invés de argumentos. O culto à personalidade vai bem, obrigado, e há muito substituiu qualquer tipo de reflexão sobre o partido e/ou suas propostas.
Muitos dos votos na figura que jura de pé junto que nunca propagou o ódio é até compreensível. Do ponto de vista da revolta “contra tudo o que está aí”, com a sensação de abandono nos três pilares que norteiam as promessas que vemos desde antes da nossa jovem república federativa: saúde, educação e segurança. Esse voto e apoio cegos são também percebidos como o apogeu do projeto de degradação, extirpação e vilipêndio da educação. Cada vez mais o estudo tem sido depredado e nos resta apenas tentar entorpecer nossa cabeça com qualquer coisa que nos distraia da dor da realidade e do medo, que também é uma moeda poderosíssima em prol da máquina eleitoreira, como as redes sociais. Percebemos o quanto as pessoas estão com seus sentidos dormentes quando temos os famosos leitores-e-interpretes-de-links-de-chamada-de-notícias. Não estamos nos permitindo a ler o conteúdo da notícia além do título que é claramente pensado para fazer as pessoas clicarem e ler o texto e refletir sobre ele, mas como as empresas de mídias já perceberam este movimento, ultimamente é mais importante a quantidade de compartilhamentos e reações do que a leitura do artigo em si. O referido candidato certa vez disse “as minorias têm de se curvar às maiorias”. Caso com um pouquinho mais de calma no coração e na cabeça poderíamos utilizar da mesma lógica para que a minoria que controla mais da metade da riqueza do país se curvassem a nós pobres. Sim, cara pessoa que tem um fiesta financiado e ganha três mil reais por mês, você é pobre. Claro que não é tão pobre como eu ou como outras pessoas menos favorecidas, sem contar as pessoas em situação de risco como os sem-teto. Os políticos, por sua vez, também são minorias e dessa forma teriam de se curvar a nós, seus eleitores. Inclusive gostaria de lembrar que os políticos são funcionários públicos “contratados” através do voto, logo são servidores e devem servir a quem? Cada vez mais vemos que as pessoas têm ódio é dos pobres, mesmo sendo parte deste grupo, num sonho de um dia deixar de sê-lo pelo pensamento positivo em prol do status quo.
Poderíamos também refletir um pouco sobre a chegada de um partido que tenta se vender como novidade, quase como um Caçador de Marajás 2.0, quando na verdade é apenas um partido formado por aqueles que financiavam os vários partidos políticos e depois cobravam seus favores. Agora eles saíram por conta própria deixando de lado os intermediários. Inclusive achei que tinha demorado muito.
Candidatos envolvidos até o último fio de cabelo e arcada dentada firme na fala em escândalos e investigados por corrupção, mas que regurgitam as mesma velhas promessas vazias e insípidas de sempre. É muito aviltante ouvir um picolé de chuchu cobrando punições severas para corruptos. Me leva até a pensar que após o debate ele se entregaria na polícia federal.
Observamos, ainda, o meteoro da paixão estelar que o PT representa. Tanto para o amor incondicional, quanto para o ódio ferrenho. Se paramos, mais uma vez, para pensar com calma, perceberemos que o partido dos trabalhadores, se vendeu e se imiscuiu com aliados escusos com o único intuito de chegar lá. Mantendo umas migalhas sociais e foi derrubado de seu pedestal quando os abutres que os ajudaram a alçar voo não se contentaram mais com a carniça da qual já deglutiam há décadas. É muito fácil eleger um culpado, apontar o dedo para outros e demonizá-los ao invés de encarar o verdadeiro culpado que reside ali no banheiro naquela superfície reflexiva. Inclusive sobre o bode expiatório recomendo fortemente estes dois textos para ajudar a compreender um pouco sobre a hipótese/teoria. O bode expiatório e Respostas a um comentário sobre o bode expiatório.
Vemos também um “novo” fenômeno crescendo, o mito do voto útil. Esse sim é um mito. Uma fábula onde ao invés de você se expressar, democraticamente, naquele candidato que teoricamente se alinha às suas visões políticas e apresente a proposta mais coerente para governar um país.
Entretanto permanecemos até o pescoço presos na areia movediça de cordialidade, no sentido que Sérgio Buarque de Holanda mostrou, e apatia proporcionados pelo lento e bem sucedido plano. Um povo menos instruído, menos senhor de si facilmente se renderá aos discursos mais absurdos e aceitará de bom grado o chicote que lhe corta o lombo.
E por fim chegamos às pessoas que acham tudo isso muito chato, que política não presta e que só querem é memes e cachorrinhos fofos. Sim, qualquer coisa que esteja em voga pode vir a irritar quando não julgamos fazer parte ou simplesmente não nos apetece, entretanto gostaria de lembrar que o ser humano é um ser político (não totalmente ou só pelo conceito aristotélico) e que a política será conduzida por aqueles que gostam, mesmo que seus motivos sejam os mais escusos. A democracia não se faz de dois em dois anos e sim todos os dias, nas interações sociais e suas respectivas esferas. Há política na igreja, no clube, no ônibus, na sala de aula, na vizinhança entre outros.
Mas oras, Michel, por quê você está falando dessas coisas? Porque isso me ocorreu e não pude conter meus dedos após este post:
Resumindo, qualquer indício de projeto que vise melhoria de vida que recupere a dignidade do povo como um todo é visto como algo hediondo, execrável e como um inimigo a ser batido em prol do sustento das pobres oligarquias milionárias. Talvez tenhamos passado tempo de mais com pescoços abaixados olhando as telas dos nossos celulares que atrofiaram os músculos e não consigamos mais enxergar além de nossos umbigos.
Muito bem colocado que política é uma interação cotidiana. Resgatemos o fazer político e a defesa dos nossos valores e projetos para superar estes tempos difíceis. Gostei do texto 💛