Blablaísmo

Blá blá de qualidade

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À quatro mãos

onibus_velho

– Oi moça…
– Oi…

Noite quente, sem qualquer sinal de brisa ou vento. Céu limpo, sem lua. Apenas carros, motos, ônibus e caminhões se movimentavam. As pessoas, cansadas, suavam, mesmo paradas.

– Esperando o ônibus?
– É…
– Tem muito tempo que está aqui?
– Um pouco…
– Hum…

Passam um, dois, três lotações. O dela, não. O dele, também não.

– Acho que não vem mais. – disse ele com olhar perdido.
– Parece…
– Vai pegar o mesmo que eu?
– Não sei.
– O 1004, viação Findimundo.
– Sim, este mesmo… mas… – ficou intrigada.
– Deve estar estranhando este tanto de pergunta, né?
– É que nunca te vi no bairro.
– Entendo. Moro lá faz pouco tempo.
– Ah é?! Quanto tempo? – agora estava curiosa!
– Alguns meses… foi o melhor que encontrei depois que me separei.
– Que pena. Quanto tempo?
– Casado?
– Sim, é.
– Foram 3 anos.
– Pouco tempo.
– Ainda bem…
(risos)
– Então mora sozinho?
– Sim. Eu e o vento… mas parece que até este me abandonou.
– …todo mundo. Que calor!!
– Muito… Ó! Lá vem ele…

A conversa teve que ser interrompida, lá vinha ele, lotado, o lotação.
Engraçado, é um nome bem sugestivo para este meio de transporte, principalmente naquele horário, pós-expediente.

Lá, bem depois, quando ele desceu, ela não viu.
Talvez aquela conversa continuasse no dia seguinte, talvez não.
Ela gostaria que sim, só não sabia o porquê…

Enquanto o ônibus ia se afastando ele a observava e sentiu que já tinha conhecido aquela moça.

No dia seguinte no mesmo horário e mesmo local, o encontro propositadamente acidental ocorreu da mesma forma.

– Oi, de novo!

-Oi!

– Nem vi quando você desceu ontem, além de calor eu estava muito cansada.

– Verdade. Nem dormi direito por causa disso. Mentiu ele, passara a noite toda tentando lembrar de onde conhecia a moça e mais ainda em como ela era linda. O jeito como ela mexia no cabelo, a maneira como sorria, até o modo irritante como ela ria das piadas sem graça que ele contava, denunciando ali uma brecha para um flerte e o interesse.

– Você tem namorada? Ela arriscou, imediatamente se censurando por ter sido tão atirada. Estava na cara que ele iria pensar que ela estava dando em cima dele. Não que não estivesse, mas não queria deixar tão claro, mas sua língua se moveu mais rápido do que seus músculos faciais puderam reagir.

E como se fosse ensaiado num desses musicais, o ônibus desponta na esquina. Rápido e barulhento em um ritmo compassado, ele teve um devaneio e teve de usar de muita força de vontade para não começar a cantar e dançar ali mesmo.

O ônibus para e ele sobe logo após a mulher que havia lhe tirado o sono.