Reaprendendo a andar
O smartphone valia muito para ele. Não um valor monetário, mas sentimental. Muitos momentos em que nada havia para fazer, seu celular lhe proporcionou entretenimento, desde joguinhos bobos até a leitura de notícias. Era praticamente impossível viver sem aquele aparelho viciante. Mas por uma força maior que a do nosso rapaz, uma força que ele não controla, comumente chamada de gravidade, seu smartphone o deixou. Todo trincado e estilhaçado por dentro, não havia o que fazer senão se separar do tão querido aparato.
Após uma rápida olhada nas economias, constatou que não conseguiria adquirir um novo aparelho e, contra sua vontade, tirou seu velho celular das tumbas e voltou a usá-lo, apenas para ligações mesmo, já que pouco mais que isso aquela peça de museu fazia.
O começo foi difícil. Era complicado ficar sem verificar as redes sociais constantemente, sem jogar por 10 minutos num descanso no trabalho, e até mesmo sem tirar fotos de algo interessante pela rua. Mas não tinha outra saída, o jeito era se reabituar.
Porém a falta de um smartphone a todo momento o devolveu alguns hábitos antigos e criou outros novos.
O livro voltou a ser seu melhor companheiro. Aqueles 30 minutos diários dentro de um ônibus não eram mais monótonos com seus fones de ouvido. Eram agora algo maravilhoso, cada semana diferente, indo desde a idade média até atualmente, sempre com uma trama divertida, interessante, medonha…
Com seu hábito de leitura recuperado, o interesse pela escrita voltou com força total. Como aqueles autores tinham tantas ideias? Como um personagem pode ter uma história tão completa e incrível? De onde saía tudo isso?
Em meio sua leitura e uma viagem de ônibus, levantou os olhos e olhou atentamente ao seu redor. Tantas coisas para ver, tantas pessoas diferentes indo e vindo, tantas histórias para contar. Qual o passado daquelas pessoas? O que elas escondem? Quais os sonhos delas?
Chegou em casa e começou a escrever como nunca. Deu uma vida à mulher simples e educada que todos os dias estava no ônibus. Criou um sonho para o garoto desarrumado e com uma mochila nas costas. Matou o homem de terno que o olhou de soslaio quando saiu do veículo.
Em alguns meses, todos aqueles personagens tinham suas histórias interligadas em uma trama magnífica, um enredo digno de Best-seller. Nascia então um dos maiores escritores que o mundo já leu. Um verdadeiro artista.
Ah, o smartphone? Ele juntou dinheiro e comprou um leitor de livros digitais.
Mas qual foi o nome do livro?
Entre rodas e teclas?
Acabou minha criatividade.
É por isso que ainda vivo com meu “dumb”-fone. A liberdade da folha em branco não pode submeter-se ao brilhos e assobios do mundo digital.
Numa folha qualquer Eu desenho um sol amarelo… – Toquinho, Aquarela