Blablaísmo

Blá blá de qualidade

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01:40

– Olá, tudo bem?
– Olá. Nossa, quanto tempo!
– Pois é, né!

Se encontraram ao acaso, após 5 anos, em um supermercado. Antes, tiveram um romance quase intenso durante um ano e poucos dias. Alguem poderia até considerar intenso, mas depende do referencial. Pelo sim, pelo não, quase intenso. Caberia a frase “foi eterno enquanto durou!”

– Mas e aí, ainda no mesmo emprego?
– Não, mudei de empresa, fui para uma cujo salário é melhor. E você?
– Ah, fui promovida a chefe do meu setor.
– Poxa, legal, era isso que você queria…

Quando se conheceram ele já estava terminando a faculdade enquanto ela ensaiava a voltar a estudar, apesar de ele ser mais novo que ela. Pouca diferença, mas que no final foi importante para ele. Era o primeiro caso que ele chamou de namoro, propriamente dito. Para ela foi importante também. E foi um namoro bom, cheio de altos e poucos baixos. Analisando com mais calma, o único ponto baixo que teve resultou no término.

– Morando sozinho?
– Ah, sim sim. Já estava na hora. Chega um momento em que um homem precisa sair do ninho. E o novo emprego ajudou também. Ficava longe demais da casa de meus pais. E você?
– Até o final do ano eu saio, só esperando o financiamento ser aprovado.
– Vai ser aprovado sim, tenha fé!

Quando juntos, faziam planos de terem um lar. A afinidade era grande, a impressão que se tinha é que já estavam juntos a mais tempo do que parecia. Era um casal que todo mundo dizia “esses vão casar!” mas o povo fala demais e boa parte das vezes baseados em porcaria nenhuma.

– E do resto?
– Ah… então… estou noiva.
– Do… do… como é mesmo o nome dele?
– Paulo.
– Isso, Paulo.

O romance acabou quando ele teve um problema na familia. Coisa envolvendo depressão de um e morte de outro, algo até hoje não muito explicado por ele. Ela estava junto, mas qualquer um percebia que ele estava um pouco distante. Quando a situação melhorou um pouco, ela terminou. Disse que o amor já não era tanto a ponto de sustentar um namoro e também que havia conhecido um rapaz na faculdade. Mas, por respeito, ela primeiro terminou para depois começar outro. Ao menos houve um respeito por tudo o que já tiveram. Já ele não teve nenhum outro namoro que durasse tanto após esse. Algum caso ali, outro acolá, coisa de dois meses, mas nada que pudesse entrar num patamar de comparação, sentimentalmente falando.

– Bem, tenho que ir agora.
– Eu também. A gente se vê por aí.

Ele passou de novo na seção de bebidas e pegou mais um vinho. Chegou em sua casa, deixou as compras em cima da mesa e pegou o vinho e o primeiro copo que viu. Ligou a televisão, passava um programa que estava vendendo qualquer produto de qualidade duvidosa. Encheu o copo e matou tudo em um gole. Encheu de novo e dessa vez bebeu mais devagar. Colocou a tv no mute e ligou o rádio. Tocava um Rachmaninoff. Saber que ela estava noiva bateu forte nele. Achava que a tinha superado. Matou o que faltava no copo e encheu de novo.

Na casa ao lado, o dono gritava com o cachorro.