Notas de um velho safado
No começo de 2008 eu comprei On The Road, do Jack Kerouc. Fiquei encantado com essa literatura beat. Queria mais. Mas como meu fundo monetário não estava em condições, precisei esperar um pouco. Até próximo ao final do ano, precisamente falando.
Olhando despreocupado na prateleira da livraria, vi um título que me chamou a atenção: Ao Sul de Lugar Nenhum, de um tal de Bukowski. Se o título me chamou a atenção, o que vinha atrás fez ter a certeza que a compra era correta.
Parecia que aquela bebedeira quase tinha dado conta de tudo. Sentia tonturas e fraqueza, mas isso era comum. Eram mesmo as hemorróidas. Não respondiam a nenhum tratamento: banhos quentes de imersão, pomadas, nada ajudava. Meus intestinos se projetavam quase que para fora do meu cu, como o rabo de um cachorro. Fui a um médico. Ele simplesmente olhou e disse:
– Operação.
– Tudo bem – eu disse -, o único problema é que eu sou um covarde.
– Baum, isto vai fazerr tuda mais díficil.
“Seu nazista filho-da-puta”, pensei.
– Quero que você tomar essa laxante no terça-feira à noite, então às sete horras da manhã você vai levantar, sim? Então fazer em si mesmo uma lafagem intestinal, continuar lafando tuda até ficar pem limpinho, sim? Então darei mais um olhada em você às dez da manhã. Quarta-feira pela manhã.*
Caracas, isso explodiu minha cabeça. É de uma sinceridade e crueza que eu não tinha lido ainda. Consumi o livro em dois dias, o que fez ter a certeza que Charles Bukowski é o cara.
Charles Bukowski nasceu na Alemanha, em 1920 e mudou-se com os pais para Los Angeles, quando tinha três anos de idade. Foi criado em meio a pobreza, ou seja, o lado oposto do tal american dream. Viveu nessa por cinqüenta anos, escrevendo e embriagando-se muito. Mas muito mesmo. Foi internado várias vezes devido a problemas causados pelo álcool.
Devido a esse estilo de vida, suas histórias tem alto teor autobiográfico. Mas algumas vezes se apresentava por outro nome: Henry Chinaski. Outras vezes eram contos com personagens distintos, mas mesmo assim mostrando a vida americana sem glamour. Ou seja, tão temas e personagens marginais: putas, sexo, alcoolismo, vagabundo, loucos, ressacas, corridas de cavalos, miséria…
Devido a essas características, Bukowski é considerado o último escritor maldito, o último beat. Particularmente, não consigo encaixá-lo como beat, pelo pouco que conheço sobre a literatura beat.
Comentando assim, parece que seus textos são uma porcaria. Pelo contrário, por não seguir regras, muito de seus textos são líricos e esperançosos. E terminam de modo abrupto, mostrando que nem sempre uma história precisa ter fim. Você pode simplesmente contar algo e pronto, isso é a história.
Em seu currículo conta mais de 50 livros, entre prosa, poesia, romance e contos. Poesia? Sim. Deixo como amostra um dos meus preferidos:
esta noite
“seus poemas sobre as garotas ainda estarão por aí
daqui a 50 anos quando as garotas já tiverem ido”,
meu editor me telefona.
caro editor:
parece que as garotas já se
foram.
entendo o que o senhor diz
mas me dê uma mulher verdadeiramente viva
nesta noite
cruzando o piso em minha direção
e o senhor pode ficar com todos os poemas
os bons
os maus
ou qualquer outro que eu venha a escrever
depois deste.
entendo o que o senhor diz.
O senhor entende o que eu digo?
O movimento beat é muito interessante, embora seja comumente taxado como limitado. Mas é a fotografia de uma geração tresloucada, sem medidas e sem um objetivo concreto, mais ou menos o que vemos hoje, mas de forma velada. É um tapa na cara de quem acredita que nada criativo poderia sair dali. Sempre é necessário dissociar a obra do autor, diria um professor meu. Feito isso, você encontra obras geniais como as citadas acima, diretas, sem pudor, cruas. Ótimo post, Wagner!
Ah, gosto muito desse velho safado. Conheci por intermédio de uma namorada que também o adorava. A namorada se foi, mas o gosto por Bukowski ficou. O meu livro preferido dele é justamente um de poemas “o amor é um cão dos diabos”, belíssimo. Ótimo post, é sempre bom lembrar de Bukowski.
Realmente interessante, mas continuo preferindo fantástico, de realidade já me basta a vida.
Mas realmente o cara parece ser bom.
Eis um autor que ainda não me chamou pra leitura. #fato.